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segunda-feira, 3 de junho de 2013

POESIAS - Abril/13



BEIJO

Um beijo para tirar a prova
Beijo que toca, adoça e desenCAMINHA
Beijo que gera química, física e biologia
Beijo tão esperado, guardado e de desPEDIDA

Um beijo na chegada e outro na partida
Beijo doce, arrebatador, que fisga, instiga e intimida
E ela desTEMIDA segue sua sina

Aquela e tão só ela, da Bela que encontra a Fera e não consegue juntar-se à essa dicotomia
Então a Bela, segue seu caminho em desATINO, esperando encontrar um ninho para acalentar seu coração e a sua solidão!

Mônica Parreiras
13/04/13




A VIDA

A vida
Ávida
Da vida

ComeMORA
A demora
Na partida!

Mônica Parreiras
13/04/13
 



DESASSOSSEGO

Preciso partir, mas tua presença me segura
E nada me assegura
A não ser a certeza de que quero mais...
Quero o mel e o fel

Quero permanecer na incerteza
Deixar a crença
Largar a mesmice
E viver a turbulência

O silêncio me conSOME
O sossego me tira a fome
Mas antes que me acomode
Quero que me tome....

Mônica Parreiras
14/04/13
 



SENHORA


Senhora eu era das minhas vontades
Agora sem hora e cheia de fragilidades

Adora, adorna e se conFORMA
Com a forma do infinito
Que nada forma porque é um dentro e fora
Que nada conTORNA, pois a senhora já perdeu a hora e agora se consola

Mônica Parreiras
14/04/13




CONSOLA

Na sola do sapato que pisa o chão
A marca do ato que não foi em vão...

O consolo é a incerteza e a indefinição

Sigamos a caminhada rumo ao coração, embora maltratado como solo infértil, o que consola é a mola da emoção!

Mônica Parreiras
14/04/13





PENA - PESAR

Será que vale a PENA ter PENA?
Será que PESA o PESAR?

PENA ou PESAR?
Um leve, outro pesado...
Uma PENA que voa com o vento
O PESAR de uma perda

PENA que PESA!
Controverso ou contra o verso?
PENA que prende e nada surpreende
PESAR que PESA e enlouquece

Um liberta, outro enterra...
Vale quanto PESA?
Que PENA PESAR!
Meus PESARES por quem tem PENA!

Mônica Parreiras
16/04/13





TENTATIVAS

Tentar ou não?
Tentar ação
Acomod ação

Investir
Vestir-se de possibilidades
Despir-se das armaduras

Acalentar expectativas
Buscar novas saídas
Tentativas...

Persistir, insistir
Tentar ação ou cair em TENTAÇÃO?

Mônica Parreiras
17/04/13





CORES

Prefiro a solidão das cores
Ao abandono dos amores

Cores que colorem o céu, a terra e o mar
Refletem o sol, a lua e o amar

Prefiro a solidão liberta
À prisão acompanhada

Sou filha da natureza viva
E não suporto o cinza

Ele é ausência de cores
E repleto de dissabores...

Por isso quero todas as cores
E abro mão dos amores...

Mônica Parreiras
20/04/13





TEMPO

A moça pensa no tempo que não viveu
Adormeceu seus anseios, seus desejos...
Abriu mão dos beijos

E agora quer voltar no tempo, mas tempo não volta
Ela se revolta
E se volta contra o tempo

Que tempo é esse do contratempo?
Que como o vento voa para longe
A consome
E a deixa insone

Mas é chegada a hora
Agora e não mais ontem
Ela não mais se conforma
E a derrota, manda embora!

Mônica Parreiras
22/04/13




SENTIDOS

Olhar que atravessa a alma, penetra e perpetua o instante
Me faz tua, nua de sentidos e cheia de pedidos

Peço que voltes a me olhar, me desejar para que eu possa continuar...
A sentir, pressentir e viver

Entender muitas vezes requer sentidos
Viver significa não prescindir do toque, do afago, do cheiro, da pele, do gosto

Esse é o verdadeiro sentido do viver que imprime à alma a lembrança de algo que se eterniza e me faz sentir viva!

Mônica Parreiras
23/04/13




ESTRANHAMENTO

A tênue linha que separa encantamento e estranhamento
Perpassa a constância e a distância

Alguém que outrora estava ali todas as horas
De presença constante passa a ser distante
Se vai e se ex-vai em desculpas
Sem cura para suas agruras

Após algumas andanças desacompanhada
Ela é apanhada pela mais inusitada dança da alma
Nada mais a afeta e antes que se despeça e sem amarras
Lembra do mandamento: "amarás o teu próximo como a ti mesmo"

Mas ela continua sua dança mesmo que mundana
Seu lema é "amar-se sobre todas as coisas"
Assim, sem mais estranhamento
Vive a intensidade do momento!

Mônica Parreiras
26/05/13




COLORindo

Minh'alma está em festa!
Ela brecha sem modéstia
A liberdade das tonalidades
As nuances de uma réstia

Colorindo eu vou rindo à toa
E sigo meu destino que ecoa
No repentino, vespertino
E inevitável caminho


Aquele e tão somente ele
De entregar- me por inteiro
Na deliciosa tarefa de ser cor e riso
Mesmo correndo todos os riscos!

Mônica Parreiras
27/04/13





ABRIL

Abre a cela
Liberta a donzela
Que apenas zela e reza

Solta a fera
Cura a ferida
Da solitária adormecida

Acende a chama
Acorda a dama
E a faz mundana

ABRIL que ABRE
E a faz senhora
De suas vontades

Mônica Parreiras
28/04/13




MÔNICA

Nome concedido
Como pedido à mãe de Agostinho
Promessa cumprida
De homenagem à Santinha

Nome de vários significados
Como só, solitária e até viúva
Conselheira como predicado
De sobrenome que vem das uvas

Nome Próprio e apropriado
Abortado nas suas insígnias
De sofrimento e resignação,
Mas adotado na sua outra acepção

A de uma solidão liberta e colorida
Da mulher nem Santa nem profana
Mulher de múltiplas facetas
A fera ferida e nada adormecida

Mônica Parreiras
28/04/13




SOLUA / SOU TUA


Ela dorme pro tempo passar
Acorda pra trabalhar

Espera a noite chegar
E dorme pra descansar

Um novo dia se inaugura
O sol bate à janela
Levanta, se arruma
Até a chegada da lua

E assim o tempo se vai
Os dias se sucedem
E a noite a espreita
Com a mais linda lua cheia

Seu brilho refletido no mar
Ela não quer mais amar
Pede pro dia voltar
E a noite cessar

Já não sabe o que é pior
Noite de lua
Dia de sol
Ela só e nua

Decide dormir e acordar
Grita pro sol e pra lua
Sou sol, sou lua
Solua, sou tua!

Mônica Parreiras
29/04/13




IMPREvista


Nada do que sou, eu fui outrora
A roupagem que eu vestia, não me cabe agora

Sou como pássaro fugido da gaiola
Corro riscos e nada me controla

Quero a intensidade do momento
Sou como vento que vive em movimento

Sou terna, intensa, materna e propensa
A ser nada prevista

Uma tímida que quer ser vista
Sou colorida, amiga e cada vez mais IMPREvista

Mônica Parreiras
30/04/13

domingo, 14 de abril de 2013

"O TESTE" na ação de dar fim à indefinição paterna.



E agora, conforme prometido, o meu Ensaio Psicanalítico sobre O TESTE de Carlos Vereza!




Falar do Vereza e dessa magnífica obra “O TESTE”, nos instiga a partirmos da fala do “pai” de Laura quando diz que DEFINIR É DAR FIM! Impossível definirmos ou delimitarmos tamanha preciosidade principalmente à luz da Psicanálise, uma vez que ela se propõe a tratar do sujeito único, particular e entremeado de múltiplas possibilidades.

E dessa forma, passamos a abordar os personagens da peça onde o cenário é um pequeno estúdio de gravações com os acessórios normais para a realização de um TESTE. Michael é o encarregado de gravar os testes e Laura é uma candidata ao papel de protagonista, mas tão logo lhe é revelado o segredo de que a protagonista já fora escolhida.

Michael e Laura se encontram além do propósito do teste, se encontram por suas carências e insatisfações, falam de suas histórias e compartilham opiniões. Laura conta que aos 25 anos leu quase tudo da biblioteca do seu “pai”. Este desejava que a mesma fosse veterinária e ela assim o fez, mas ao entregar-lhe seu diploma, revelou-lhe o seu desejo: ser atriz. Seu “pai” disse: “vai ser gauche na vida”, ou seja, vai ser diferente. O “pai” de Laura decidiu sair de casa por sentir-se infeliz e sua mãe desde então, permanece apática em frente à televisão até que cesse a programação. Esta é a história que ela conta para Michael.

Com a máxima de Nietzsche: “o que não me mata, me fortalece” e com a transformação da segunda oração, a saber: “o que não me mata, me enlouquece”, Laura já nos dá indícios da sua dinâmica de funcionamento diante das adversidades. Michael por sua vez, relata ter vindo do sul com uma proposta para ser modelo, mas que na verdade era para ser garoto de programa. Desde então vem se “virando” para se manter. Já fora casado, mas posto para fora de casa pela mulher.

Outra fala de fundamental importância e servindo de anúncio para o desenrolar da trama, é quando Laura diz: “É sempre assim... relação. O primeiro dia já é o prenúncio do último dia”. Laura muito sabiamente nos aponta para uma realidade onde o encantamento inicial das relações é transformado em ressentimento fazendo surgir o desespero onde cada um joga no outro suas expectativas impossíveis de serem realizadas.

Falar dessa peça é acima de tudo falar de arte e esta faz suplência ao ser humano na constante busca pelo equilíbrio e a satisfação. Ela é o alimento da alma e Vereza nos presenteia com essa obra repleta de arte poética, musical e dramática.

Ao ser questionada por Michael sobre sua crença no amor, Laura mais uma vez nos confronta a realidade da ilusão a que somos submetidos como meros figurantes do consumismo desenfreado. Para ela, precisamos nos agarrar a qualquer coisa: à arte, ao amor, ao sexo... uma realidade onde a paixão se esvaece e o cotidiano torna-se insuportável.

Neste momento da peça, surge a convocação ao mundo virtual, “à Dra. Internet, a Psicanalista dos solitários, malucos e errantes, dos neuróticos, psicóticos e perversos”. Sim, pois todos confidenciam suas insatisfações, desejos e muitas vezes já deixam por lá o aviso prévio de suas próximas atitudes ou maldades.

Basta acompanharmos as redes sociais e em especial o famoso FACEBOOK - na sua mais fiel tradução: LIVRO DA FACE ou até poderíamos dizer: a BIOGRAFIA das FACES. É lá que cada um joga para milhares de pessoas sua privacidade e todas as suas relações são ali expostas.

Mas Michael e Laura continuam o diálogo questionando-se mutuamente sobre o porquê de suas escolhas. Michael ao falar sobre sua escolha diz amar ver as pessoas iluminadas, fazer enquadramentos e closes, mas ressalta a falsidade, a ironia e a superficialidade das pessoas. Laura por sua vez, fala de sua escolha por carência, ego e pelo fato de a “vida imitar a arte” e não o contrário.

Outro ponto da peça a ser destacado, concerne à sua declaração: “quando sinto falta de interpretar, contraceno com o retrato do meu pai”. Sua lembrança trazia à tona os momentos em que o “pai” lia textos para que ela dormisse e depois os dois passavam os textos e o “pai” segundo ela, enfatizava que com a arte e o Sermão da Montanha, a humanidade seria salva.

O Sermão da Montanha pode ser lido no evangelho de Mateus, é um discurso longo proferido por Jesus Cristo e abordando lições de conduta e moral, ditando os princípios que orientam e normatizam a verdadeira vida cristã no sentido da realização da vontade divina.

Tomemos o tal “Sermão” para falarmos da lei e da função paterna. Temos presenciado o declínio desta função, mas ainda assim não nos damos ao trabalhado de pararmos para pensar a respeito. O pai vem fazer barreira na relação mãe-filho, vem introduzir um limite a esse gozo absoluto apesar de necessária ser essa relação simbiótica num primeiro estágio. Tantos são os fatores que poderemos citar para a não inserção do pai, mas teríamos que nos dedicar a um texto a parte. O mais importante é entendermos que o pai de Laura, nunca existiu e por isso é um pai fraco e covarde, precisou recorrer ao pai da religião. É desse enfraquecimento que testemunhamos o crescente número de alienados e fanáticos religiosos. Pessoas que não tiveram a possibilidade ou o acesso à lei de forma simbolizada e por isso recorrem a ela de forma encarnada no Deus Pai todo poderoso e senhor de todas as coisas e destinos...

Mas deixemos os alienados de lado e voltemos aos artistas. Estes que nos dão sustento à alma e nos remetem a fantástica possibilidade de sonhar, imaginar, criar e viver. Laura cita Chet Baker o trompetista que cantava baixinho e parecia morrer em cada canção, transmitindo um estado de alma como se ele próprio fosse a alma do mundo. Cita também Rimbaud, poeta francês que até os 18 anos disse tudo que precisava dizer.

Não há como não concordarmos inteiramente com Laura quando ela verbaliza sobre os artistas: “pessoas que passam pela vida como estrelas de duração limitada: riscam os céus, estilhaçam nossas almas e explodem”. A arte muitas vezes pode salvar pessoas! Ela sim é liberdade, autenticidade e nos remete à singularidade desse um a um...

Ainda devemos dar o devido destaque a carta que segundo Laura, fora deixada pelo seu “pai” onde ele diz que a verdade está dentro de cada um, trocar de lugar não muda a angústia e saber da finitude da existência humana é a única certeza dessa loucura chamada vida. Paulo ou ArMANDO, pouco importa, afinal ele não existe. O que nos chama a atenção é o fato de estar A MANDO de alguém, tentando com isso deixar algo para a filha e ela na busca constante de senti-lo por perto de forma mais eficaz através da sua imaginação.

Dessa forma, Laura o convoca a comparecer. Convida Michael a contracenar com ela um trecho de Romeu e Julieta. Ele hesita, mas acaba concordando e depois desiste, pois diz saber que no final os dois morrem. Ela suplica ser esse o único modo de alegrar o seu “pai” e ele a provoca apontando para o abandono paterno. Ela baixa a cabeça e tenta partir. Ele se declara apaixonado, ela o agradece por ter sido um Romeu lindo, mas dizer ter faltado o final para o seu “pai”. Michael insiste em provocá-la dizendo que seu pai estaria morto e até duvidando da sua existência.

O telefone toca e Michael consegue se desvencilhar daquilo que o incomodava, diz ao seu chefe as coisas que pensa e chega perto de ser ele mesmo e da sua verdade, inclusive se apropriando do seu Nome Próprio, fazendo dele o Próprio Nome: Miguel de Albuquerque. Declara-se frente à câmera dizendo: “Você não pode entrar assim, nesse estúdio, nessa câmera, na minha vida e me jogar fora como se eu fosse um livro usado (Chora)”. Laura então adentra o estúdio e diz: “Pai... ficou faltando o final”.

O TESTE para Laura parece ser provar para si mesma a existência do pai, mesmo que precise levar isso às últimas consequências – com a vida imitando a arte. Para Laura, DEFINIR seu pai é dar FIM à vida daquele que duvidou da sua existência e colocou em xeque a importância que ela imaginava ter para ele.

É assim que Carlos Vereza tão sabiamente nos traz o fim desse drama, onde a única certeza é a morte e onde os testes aos quais o sujeito é submetido podem DEFINIR mesmo que temporariamente, o porvir!



Mônica Parreiras

É Psicanalista membro da
Intersecção Psicanalítica do Brasil (IPB),
formada em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), voltada para o atendimento de adolescentes e adultos.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O TESTE

O TESTE


 

      Após um ano de recesso, começamos as produções de 2013 com a elaboração de um Ensaio Psicanalítico sobre a primorosa obra O TESTE de autoria, direção e com a atuação de Carlos Vereza. Contracenando com ele temos o talento de Carolinie Figueiredo. 
      Tive a honra e o privilégio de ter em mãos o script da peça para tentar produzir uma análise dos personagens a convite do Vereza. 
      Convido todos a assistirem esse espetáculo com a certeza de terem a oportunidade de ver a arte em várias dimensões. Além da excelente atuação dos atores, poderão ver música, poesia, um cenário com profunda conexão com a peça e com os personagens.
        Para que possam ter noção da magia do momento, um pouco do registro da estréia! 


 


 

       

terça-feira, 3 de abril de 2012

DESPERTAR...

      Para começar o dia, nada melhor que o raiar do sol iluminando e renovando as energias. As imagens falam por si e remetem às lembranças e esperanças!


domingo, 12 de fevereiro de 2012

FAÇA – “Ó Abre Alas que eu quero passar...”

Gostaria de agradecer o Jacques pelo convite a FAZer parte deste debate a partir de seu texto como desafio a instigar a reflexão clínica em tudo que comporta o Ato Psicanalítico. E para tal, ele inicia falando sobre a rivalidade dos pais com seus irmãos perpassando a relação pais e filhos, elucidando com recortes clínicos onde a formulação do imperativo super-egóico nos aponta a crueldade do real através de identificações alienantes.


E para abordar tais questões, Jacques nos convida a um passeio pelos seminários de Lacan. No Seminário 15 traz o ato analítico começando a partir da alienação. O eu da fala questionador do eu narcísico, alienado em significantes a antecederem-no. Já no Seminário 11 aponta a raiz da alienação apresentada por Hegel no vel, na impossibilidade de escolher entre liberdade e morte a desembocar na ‘liberdade de morrer’. Retoma o Seminário 15 para falar da impossibilidade residindo no “eu penso e eu sou” – ‘penso-sou’ de Descartes.


Ponto fundamental concerne ao destaque dado ao significante recalcado nisso que implica o sujeito a não representar mais o sujeito para outro significante por ele ser definido por efeito de discurso e por ser colocado à prova de sua demissão não podendo ser representado senão por sua ausência.


Cabe também a ênfase dada no paradoxo baseado na referência à negação abordada no Seminário 15, pois se o significante representa um sujeito, esse sujeito está antes e não podendo comparecer envia seu EMBAIXADOR.


Poderíamos então pensar no EMBAIXADOR, como significante a ser manuseado pelo analista? Tendo o EMBAIXADOR plenos poderes para representar o seu país (o sujeito) e celebrar tratados, sua função residirá EM BAIXAR a DOR? Amenizar aquilo que segundo Dolto, não pode advir completamente em certos neuróticos e psicossomáticos, ou seja, a cura? Haveria exceções? Quais seriam elas?
Ainda assim, acreditando não haver remoção total dos sintomas, trago como ponto crucial para nossa reflexão a importância do analista reconhecer seu limite – ponto onde ocorre um esgotamento, parecendo haver um nó indissolúvel a gotejar repetições que batem e apenas respingam sem quaisquer mudanças significativas e marcando a impossibilidade de ato.


Cabendo ao analista o Ato Psicanalítico, significa não ser ele todo objeto a. A alienação no amor transferencial ao sujeito suposto saber será o ABRE ALAS do FAÇA enquanto tarefa do fazer analisante. Ele abrirá o DESFILE dos significantes, dos EMBAIXADORES do sujeito. Esse carro alegórico fará do analista aquele a permitir adereços, apliques do analisante na eterna re-edição de sua história.


Já dizia Chiquinha Gonzaga: “ÓAbre Alas que eu quero passar, eu sou da lira não posso negar...” Fazendo uma analogia em lembrança ao CARNAVAL, o carro ABRE ALAS seria o amor transferencial como transportaDOR, abrindo espaço para os significantes que apenas deixam-nos entrever o sujeito da lira (tomada aqui como a deusa do silêncio eterno). Isso é inegável e por isso tão evanescente. O Ato Psicanalítico seria assim, a perspicácia em captar o efêmero, tirando o sujeito do eterno do seu silêncio.


As razões para o ESGOTAMENTO da relação analista-analisante podem ser diversas, mas certamente entre elas está a COMPLACÊNCIA – a disposição de atender os desejos de outrem para agradar. Quando o analista atende a demanda e reforça o analisante a permanecer neste visgo do amor de transferência, algo pegajoso e paralisante impede que o carro abra as alas, mostre as facetas do sujeito, interrompendo o desfile da ESCOLA DE SAMBA. O que fazer? Aguardar o próximo CARNAVAL mudando o ENREDO e talvez o PUXADOR DE SAMBA. Só assim o desfile poderá continuar e outras alas poderão ser visitadas e re-visitadas pelo sujeito, mostrando através de sua passagem o efeito de ato, mesmo que seja ele finalizaDOR de uma etapa.


E para abrir novas ALAS, trago o trecho de uma canção a ilustrar o compromisso do analista com a Psicanálise por meio de sua produção teórica, seus questionamentos e de certa forma a sua transmissão, bem como a importância de lidar com o real da impossibilidade do ato, assim como Xavier Audouard tão bem definiu: “O ato, se quiser ser reconhecido, não deixa de ser algo que não pode ser reconhecido, e, não podendo ser, nos engaja sempre, empurrando diante de nós nossa falta, a restituí-lo, a repeti-lo.” E para a sempre continuidade da Psicanálise...

“Quando eu não puder
Pisar mais na avenida
Quando as minhas pernas
Não puderem agüentar
Levar meu corpo
Junto com meu samba
O meu anel de bamba
Entrego a quem mereça usar
Eu vou ficar
No meio do povo, espiando
Minha escola
Perdendo ou ganhando
Mais um carnaval
Antes de me despedir
Deixo ao sambista mais novo
O meu pedido final

Não deixe o samba morrer
Não deixe o samba acabar
O morro foi feito de samba
De Samba, prá gente sambar...”

(Ó Abre Alas - marchinha carnavalesca composta por Chiquinha Gonzaga.)
(Não Deixe o Samba Morrer – música composta por Edson Gomes da Conceição.)

Mônica Parreiras

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Vênus das Peles

          Um conto erótico traduzido por Saulo Krieger diretamente do alemão, escrito em 1870 por Sacher-Masoch, aborda a história do casal Severin e Wanda, num contrato que prevê explicitamente o papel de cada um, ele no de escravo e ela como tirana, além da exigência de que a fêmea deveria cobrir-se de peles ao açoitá-lo. O autor produziu essa e outras obras marcadas pela reflexão sobre o amor e os limites confusos que separam o senhor do escravo.

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MASOQUISMO: GOZO VERSADO EM QUEIXAS?



“O contrato masoquista não expressa somente a necessidade do consentimento da vítima, mas também o dom de persuasão, o esforço pedagógico e jurídico pelo qual a vítima educa seu carrasco.”

Gilles Deleuze

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O termo masoquismo surgiu a partir do nome do escritor e jornalista austríaco Leopold Ritter von Sacher-Masoch (27/01/1836 – 09/03/1895), graças ao seu romance A Vênus das Peles (1870), onde um personagem atinge o ápice do gozo após ser surrado pelo amante de sua mulher.


Partindo da colocação de Deleuze a respeito do contrato masoquista seja ele implícito ou explícito, citaremos o trecho desse acordo formal assinado pelas partes no romance acima citado:
“A senhora Von Dunajew deverá punir seu escravo a seu bel-prazer, não só pelo que lhe pareça o menor descaso ou a menor falta, como também terá o direito de o maltratar, seja por capricho, seja por passatempo, como bem lhe convier, matá-lo até mesmo, se assim o preferir; em suma, terá sobre ele um direito de propriedade ilimitado”.[1]



O personagem Severin ao se deixar escravizar por Wanda, ilustra a história de uma paixão marcada pelo sofrimento físico e moral, descerrando de maneira detalhada o universo das fantasias que nutrem e regem a excitação a condicionar o sofrimento. Numa de suas falas, ele sabiamente já nos aponta para aquilo que viria a ser material de estudos e inquietações. Assim ele fala:
“Se não poderei compartilhar a felicidade do amor de maneira plena, desejarei então usufruir de suas dores, de seus sofrimentos, até a última gota; e pela mulher que amo quererei ser maltratado, enganado – quanto maior a crueldade, melhor. Também isso não será um gozo?”[2]



Freud em seu artigo “As Pulsões e suas Vicissitudes”, diz estarem as pulsões sujeitas às seguintes vicissitudes: reversão ao seu oposto, retorno em direção ao próprio eu, repressão e sublimação e centra nas duas primeiras onde a reversão pode se dar em dois processos diferentes: a mudança da atividade para a passividade e a reversão do conteúdo.


A exemplificação aparece nos dois pares de opostos: sadismo-masoquismo e escopofilia-exibicionismo, onde a finalidade ativa (torturar, olhar), é substituída pela finalidade passiva (ser torturado, ser olhado). A reversão do conteúdo se dá na transformação do amor em ódio. Já o retorno ao próprio eu pode ser pensado a partir da reflexão do masoquismo enquanto retorno do sadismo e o exibicionismo abrangendo o olhar para o próprio corpo.


Mais especificamente, o processo se dá da seguinte forma:
a) O sadismo consiste no exercício de poder ou violência sobre alguém como objeto;
b) O objeto é abandonado e substituído pelo eu do próprio sujeito, fazendo a mudança da finalidade pulsional ativa para a passiva;
c) Uma pessoa é novamente procurada como objeto e em conseqüência da alteração na finalidade pulsional tem de assumir o papel do sujeito;


Ressalva importante relativa à simplificação usual na caracterização do par sado-masoquista, embora não seja objeto principal de nossos estudos nesse momento, mas há uma curiosa relação de projeção mútua sob o ponto de vista imaginário e fantasmático, impedindo a separação entre os parceiros ou até mesmo a oposição, pois cada um deles pode estar intimamente identificado ao outro.


Nessa relação especular entre servo e tirano ou escravo e senhor, podemos identificar toda a tirania do masoquista ao requerer tratamento cruel, dominando o torturador e controlando a cena com pulso firme. Àquele a encenar o papel do tirano, cabe obedecer com rigor às ordens e fantasias de seu parceiro e este por sua vez, se submete no nível manifesto. O masoquista deverá ser suficientemente talentoso a ponto de convencer seu parceiro a causar-lhe sofrimento.


E Severin assim o faz convencendo Wanda a conferir-lhe toda sorte de punições, maus-tratos e sofrimentos físicos e morais. Em determinada passagem do romance, Wanda afirma estar o homem na posição de desejo e a mulher na de entrega, ele solicitando e ela sendo solicitada. Isso inverte a idéia do homem a exercer o papel ativo e a mulher o passivo. Freud já colocava essa dissociação entre erotismo feminino do gênero mulher e erotismo masculino do gênero homem, mostrando estarem combinados em proporções diferentes em ambos os sexos.


Nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud mostra um enlace fundamental entre o masoquismo e o campo pulsional, mas circunscrevendo-o na satisfação de uma pulsão parcial. Ele prosseguiu em sua obra e no texto “Espanca-se uma criança”, traz a fantasia de ser espancado como transformação inconsciente do desejo de ser amado e cuidado, manipulado fisicamente. É a permanência de uma posição erótica infantil diante do objeto adulto.


No artigo “O Problema Econômico do Masoquismo”, Freud apresenta o masoquismo sob três formas: como condição imposta à excitação sexual, como expressão da natureza feminina e como norma de comportamento, trazendo a distinção entre os masoquismos erógeno, feminino e moral. Ele postula serem o masoquismo feminino e moral, derivados do masoquismo primário ou erógeno. Para ele, o masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena, desamparada, e mais particularmente como uma criança travessa. Já em “Sexualidade Feminina”, Freud se refere ao masculino e ao feminino como conceitos para descreverem os modos de expressão da libido, importando o destino da pulsão.


A clínica vem mostrar o masoquismo moral ou feminino, presente tanto em homens quanto em mulheres. As fantasias masoquistas colocam o sujeito numa situação caracteristicamente feminina com conteúdos de castração, copulação e até de dar à luz a um bebê.


Para Lacan, existe uma lógica do gozo no masoquismo para além da lógica fálica. Segundo ele, a fase fálica na mulher teria dado origem a deslizamentos conceituais, mas a obscuridade no que tange o gozo feminino está na impossibilidade de abordagem do real, definindo a sexualidade como metáfora do desejo e simbolizando a falta-a-ser. A demanda engendra uma falta-a-ter onde o clitóris viria preencher até sucumbir na competição e o desejo vai precipitar novos objetos na direção da metáfora sexual.


Ele coloca ainda, o masoquismo feminino apontando para algo além da mediação fálica e para além do par masculino-feminino como ponto de partida. O masoquista se encarna como objeto na cena e no contato com seu parceiro. E Lacan continua trazendo o homem como ser sexuado, amarrado por um nó à função fálica e à limitação da castração e a mulher como Outro sexo, onde o nó é mais frouxo porque a confrontação em jogo é com o desejo do Outro e secundariamente com o papel do objeto fálico.


A ressalva fundamental concerne à posição feminina designando o lugar ocupado pelo sujeito no par sexual e como expressão do ser da mulher não podendo fazer a correspondência com a afirmativa: “a mulher é masoquista.”


Se a posição feminina não é equivalente à posição masoquista, façamos pois, uma distinção entre elas, mesmo estando nos dois casos um sujeito como objeto do outro.


Pensemos na metáfora do “amante e amado” sustentada pelo discurso histérico a veicular o desejo feminino onde “eu digo que o amo para fazê-lo crer ‘o amado’ e a partir daí esperar que ele seja o amante do objeto agalmático encarnado como semblante.


Com relação ao desejo feminino, o ser da mulher se apresenta dividido entre o sujeito do desejo e um ser complementar da castração masculina na sua identificação ao objeto. O seu lugar no par sexual tem como causa o desejo do Outro e não o seu próprio desejo. Ela se coloca para o Outro sob três vertentes identificatórias: falo, objeto, sintoma, mas com a mediação do semblante.


Já no masoquismo, há um ‘caráter de jogo’ onde o diretor de cena é o próprio sujeito colocando-se como objeto rebaixado e degradado ao contrário da posição feminina onde a mulher se reveste de um brilho fálico nessa tentativa de fazer-se para o outro um objeto agalmático, causa do desejo desse outro. O masoquista ostentará a falta, a dor ou a dor da falta de modo a provocar horror ou angústia no Outro.


Vejamos essa direção de cena na fala de Severin:
“-Meu Deus! – gritei, e estava fora de mim. – Quero, sim, fazer tudo o que ordenares, ser teu escravo, coisa tua, de que dispões a teu arbítrio, só não me separes de ti – e fui ao chão – não posso viver sem ti – e envolvi seus joelhos e cobri suas mãos de beijos”.[3]


O analista é convocado a intervir no sofrimento trazido pela própria satisfação, um paradoxo a gerar resistências ao tratamento e Lacan introduz a categoria do impossível para o gozo a obstaculizar o funcionamento do princípio do prazer. O analista deve estar ciente de que lugar intervir, pois o semblante de objeto cumpre uma função separadora adequada para suportar os efeitos de ruptura e perda no campo pulsional.


Ponto crucial ao ser abordado diz respeito às diferenças da posição feminina e da posição masoquista quanto ao gozo. No masoquismo, os traços de sofrimento e da falta apontam para um gozo do Outro, a saber, um corpo entregue ao Outro. No caso das mulheres, a complacência ao fantasma masculino fazendo concessões sem limites, dando seus corpos, seus bens e suas almas, está a serviço de um sacrifício decorrente de uma alienação em relação ao desejo do Outro que a toma como objeto, mas é um sacrifício condicional, pois em troca, elas buscam um a-mais-de-gozar.


A mulher se submete ao desejo do Outro para que o fantasma do homem encontre nela a sua ‘hora da verdade’ e a máscara masoquista prossiga. Já o masoquista impõe uma relação de gozo por contrato. É um dever de gozo regulamentado e sem improvisação e do qual se faz amo.


O ponto em comum na máscara masoquista e no masoquista é a sua redução ao objeto a enquanto resto. Severin nos mostra isso em várias passagens do conto, mas destacamos uma em especial por retratar tão claramente essa submissão objetal:
“Eu já não tinha outro dever a cumprir, já não tinha para ela nenhum grande significado – era mais uma lamparina ou um revólver que se traz para junto da cama”.[4]


Ainda sobre o gozo, importante diferenciarmos o gozo Outro (suplementar) do gozo do Outro. A mulher nesse “papel” masoquista necessita um gozo suplementar, um gozo que não existe e não significa nada. Já o masoquista propriamente dito, está preso a esse gozo da Coisa, a um real êxtimo ao sujeito, sua primeira e mais íntima exterioridade.


Como nosso objetivo maior é pensarmos um pouco mais a respeito disso que intitulamos por um gozo versado em queixas, ao mesmo tempo tentando fazer a distinção entre o feminino e a posição feminina, questionamos: “Estaria o masoquismo relacionado ao um posicionamento feminino?” “De que se queixam ou lamentam os masoquistas?”


O gozo do Outro só pode ser colocado no horizonte do Outro e do qual só é possível se aproximar assintoticamente ou sintomaticamente. Severin ou Gregor como Wanda o chamava nos momentos de escravidão, açoite e maus-tratos, parecia oscilar nessas posições. Ora aproximava-se de um certo limite, mas nunca chegando lá, ora era pelo viés de seu sintoma quando ele tentava estar um pouco mais próximo de sua malfeitora.


Por ser um gozo não representável, aparece a figura feroz e obscena do supereu introjetando a voz do Outro, manifestando-se assim, através de fragmentos imperativos e desvinculados do simbólico. É um gozo do próprio corpo e se refugia nas zonas erógenas do corpo despedaçado pelo significante que só aparece como eco na pulsão do corpo.


Segundo Erik Porge, “o gozo do Outro é outro que não o gozo fálico, mas isso não quer dizer que um é o gozo masculino e, o outro, o gozo feminino. O gozo masculino não inclui o gozo do Outro, enquanto o gozo feminino é dual, não todo fálico e comporta o gozo do Outro”.[5]


Bem, mas voltando à distinção primeira, a saber, a não confirmação da frase – “a mulher é masoquista”, devemos considerar o tropeço de Freud na questão sempre infindável e cada vez mais difundida: “que quer a mulher ou de que se queixam as mulheres?”


A dificuldade na captação da essência da feminilidade parece ter feito surgirem as considerações acerca de um masoquismo feminino, enquanto são os excessos, a transposição dos limites do princípio do prazer ou então um masoquismo universal do ser falante, nada tendo a ver com o feminino.


Freud já apontava o fato das mulheres sofrerem com a falta fálica, porém não mais que os homens com a ameaça de castração e também sustentava ser o desejo feminino de essência masoquista por visar o gozo através da dor ou por fazer-se mártir do Outro. Ao introduzir a noção de ‘masoquismo feminino’, distinguindo-o do masoquismo erógeno ou moral, ele o define como “expressão do ser da mulher”.[6]


Ele não objetiva esclarecer o problema da feminilidade, mas o das fantasias e práticas perversas, especialmente no homem, inscrevendo a equivalência imaginária entre o “fazer-se espancar” do masoquista e o papel feminino na relação sexual. Ressalva importante por não ser uma posição subjetiva e sim um lugar no par sexual, no qual o homem é sujeito do desejo.


Continua explicando ser o masoquismo substituto de uma fórmula de gozo por outra, mas ser o objeto à maneira masoquista e ser objeto na relação sexual são duas modalidades de gozo e de desejo diferentes. Ele adjetiva de “feminino” o masoquismo descoberto no homem para demonstrar estar na gênese desse masoquismo, ser uma mulher para o pai a partir da aspiração de ser espancado.


Lacan irá postular depois, tratar-se de uma metáfora onde o masoquismo é invocado como suplência da relação sexual que não existe e o masoquismo feminino “é uma fantasia de desejo no homem”.[7]


Colette Soler faz uma pequena distinção entre a mulher e o masoquista em relação ao que mostram e ao que querem. Embora não saibamos exatamente o que busca uma mulher, mas ela busca por intermédio do amor. Já o masoquista, visa no Outro o ponto de angústia no qual os semblantes falham; ponto de recuo porque ninguém se instala de bom grado nos arredores da angústia. “O masoquista sabe disso e nisso fundamenta a certeza tranqüila da simulação na qual faz mostração de ser o objeto rebotalho”.[8]


No artigo “O Mal-estar na Cultura”, Freud falou sobre a educação do homem para uma posição sacrificial. Há um sacrifício inerente ao sujeito como tal, pois precisa sacrificar-se ao significante para advir. Contudo, a posição sacrificial é diferente por revelar os interesses singulares do sujeito e não manter relação com a universalidade.


Novamente Colette Soler nos diz: “comumente as mulheres fazem grande alarde do preço que pagam para chegar a seus fins. Os homens em geral são mais discretos, ou até pudicos, mas isso é porque a queixa, sem dúvida, embora não caia bem no desfile viril, é propícia à mascarada feminina”.[9]


Mas e os homens masoquistas, serão eles mais queixosos? Qual a relação disso com um posicionamento feminino diante das situações e nas relações?


Ao que nos parece, a clínica vem apontando para um crescente número de homens insatisfeitos e poliqueixosos e isso de fato nos faz pensar num posicionamento mais passivo. O personagem Severin nos mostra isso em diversas passagens do conto, mas o mais interessante foi sua fala final como ponto de instigação para continuarmos a pensar no masoquismo e no formato das relações na atualidade, principalmente por deixar bem nas entrelinhas a necessidade cada vez mais premente de homens a exercerem a função de lei.


Assim ele finaliza:

“- A moral é que a mulher, tal como a natureza a criou e como o homem atualmente a educa, é sua inimiga, podendo tão-somente ser sua escrava ou sua déspota – jamais sua companheira. Isto, só quando ela tiver os mesmos direitos que ele, só quando por nascimento, pela formação e pelo trabalho, for igual a ele.

- Agora temos nós a escolha de ser o martelo ou a bigorna, e eu fui o burro, ao me fazer escravo de uma mulher. Entendes?

Daí a moral da história: Quem se deixa açoitar merece os açoites.”



A questão sempre pulsante permanece na obscuridade, a saber, se a mulher vem atingindo condição de igualdade tanto por formação como por trabalho, como ficam os homens? Mas uma questão é certa: não se trata apenas do papel sexual ocupado pelos parceiros, mas sim o lugar de poder. No domínio da fantasia e da linguagem importa mesmo o elemento simbólico, dado pelas significações inconscientes atribuídas entre eles.


Assim, o masoquista sofrerá, mas triunfará em segredo pela certeza do domínio em suas mãos. A idealização do próprio gozo leva à idealização do parceiro e o gozo é vivido como voluptuoso e superior ao gozo dos “mortais”. Daí as atribuições feitas ao parceiro de características sobre-humanas a encarnarem a perfeição. É quando o objeto supera o humano, a autenticidade é sobrepujada pela falsidade e a prótese supera o corpo numa operação psíquica defensiva e conhecida como recusa da castração. O masoquista também não escapa do componente fetichista das perversões na tentativa de esconder a falta. No romance, há uma exigência contratual onde Wanda só poderá açoitar Severin vestida de peles. A vestimenta recobre a verdade do corpo feminino, a diferença entre os sexos e poupa o fetichista de se tornar homossexual ao tornar Wanda suportável como objeto sexual.


E para finalizar, observemos a coincidência da literatura de Masoch com sua experiência pessoal, onde através da Vênus das Peles, ele torna a ficção mais “perfeita” desprezando as limitações da realidade. As peles encobrindo Wanda para torná-la perfeita como a Vênus de mármore, ao mesmo tempo servindo de cobertura para Severin desempenhar o papel de “lobo em pele de cordeiro”. Como já dizia Aristóteles na Poética: “não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade”.






“O MAL DO EU”
(Natália Parreiras)



Carros passam.
O alarde não se ouve tamanha a barbaridade.
Pessoas andam, correm, riem e nada fazem.
Portas se abrem, outras se fecham,
E eu, perplexo, vejo que não presto.
Sou só o resto,
Da civilidade duvidosa de rompantes animalescos.
Sou a síntese do seio da pátria-mãe doente,
Órfão dos apegos plausíveis,
Obcecado pelo que não tenho e não preciso
Apenas quero.
Quero com os obscenos dejetos da minha mente
Mente que mente,
Sente e de repente,
Pode fazer diferente.
Ser bom...
É difícil...
Feito vício no suplício dos indícios.
Hey, vou parar os carros
Ouvir os absurdos,
Trancar as portas para o mal,
Para o único capaz de matar o bem que há em mim,
O mal de ser o que eu sou comigo mesmo.
O mal do eu, doeu.




[1] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – página 106


[2] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – páginas 53 e 54


[3] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – página 86


[4] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – página 115


[5] - Erik Porge, Jacques Lacan, um psicanalista – Percurso de um ensino, Editora UnB, Brasília – 2006 – página 257


[6] - S. Freud, O problema econômico do masoquismo, ESB, vol. XIX, página 289


[7] - J. Lacan, Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina, Escritos, página 740


[8] - C. Soler, O que Lacan dizia das mulheres, Jorge Zahar Editor, 2005 – página 65


[9] - C. Soler, O que Lacan dizia das mulheres, Jorge Zahar Editor, 2005 – página 67