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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Vênus das Peles

          Um conto erótico traduzido por Saulo Krieger diretamente do alemão, escrito em 1870 por Sacher-Masoch, aborda a história do casal Severin e Wanda, num contrato que prevê explicitamente o papel de cada um, ele no de escravo e ela como tirana, além da exigência de que a fêmea deveria cobrir-se de peles ao açoitá-lo. O autor produziu essa e outras obras marcadas pela reflexão sobre o amor e os limites confusos que separam o senhor do escravo.

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MASOQUISMO: GOZO VERSADO EM QUEIXAS?



“O contrato masoquista não expressa somente a necessidade do consentimento da vítima, mas também o dom de persuasão, o esforço pedagógico e jurídico pelo qual a vítima educa seu carrasco.”

Gilles Deleuze

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O termo masoquismo surgiu a partir do nome do escritor e jornalista austríaco Leopold Ritter von Sacher-Masoch (27/01/1836 – 09/03/1895), graças ao seu romance A Vênus das Peles (1870), onde um personagem atinge o ápice do gozo após ser surrado pelo amante de sua mulher.


Partindo da colocação de Deleuze a respeito do contrato masoquista seja ele implícito ou explícito, citaremos o trecho desse acordo formal assinado pelas partes no romance acima citado:
“A senhora Von Dunajew deverá punir seu escravo a seu bel-prazer, não só pelo que lhe pareça o menor descaso ou a menor falta, como também terá o direito de o maltratar, seja por capricho, seja por passatempo, como bem lhe convier, matá-lo até mesmo, se assim o preferir; em suma, terá sobre ele um direito de propriedade ilimitado”.[1]



O personagem Severin ao se deixar escravizar por Wanda, ilustra a história de uma paixão marcada pelo sofrimento físico e moral, descerrando de maneira detalhada o universo das fantasias que nutrem e regem a excitação a condicionar o sofrimento. Numa de suas falas, ele sabiamente já nos aponta para aquilo que viria a ser material de estudos e inquietações. Assim ele fala:
“Se não poderei compartilhar a felicidade do amor de maneira plena, desejarei então usufruir de suas dores, de seus sofrimentos, até a última gota; e pela mulher que amo quererei ser maltratado, enganado – quanto maior a crueldade, melhor. Também isso não será um gozo?”[2]



Freud em seu artigo “As Pulsões e suas Vicissitudes”, diz estarem as pulsões sujeitas às seguintes vicissitudes: reversão ao seu oposto, retorno em direção ao próprio eu, repressão e sublimação e centra nas duas primeiras onde a reversão pode se dar em dois processos diferentes: a mudança da atividade para a passividade e a reversão do conteúdo.


A exemplificação aparece nos dois pares de opostos: sadismo-masoquismo e escopofilia-exibicionismo, onde a finalidade ativa (torturar, olhar), é substituída pela finalidade passiva (ser torturado, ser olhado). A reversão do conteúdo se dá na transformação do amor em ódio. Já o retorno ao próprio eu pode ser pensado a partir da reflexão do masoquismo enquanto retorno do sadismo e o exibicionismo abrangendo o olhar para o próprio corpo.


Mais especificamente, o processo se dá da seguinte forma:
a) O sadismo consiste no exercício de poder ou violência sobre alguém como objeto;
b) O objeto é abandonado e substituído pelo eu do próprio sujeito, fazendo a mudança da finalidade pulsional ativa para a passiva;
c) Uma pessoa é novamente procurada como objeto e em conseqüência da alteração na finalidade pulsional tem de assumir o papel do sujeito;


Ressalva importante relativa à simplificação usual na caracterização do par sado-masoquista, embora não seja objeto principal de nossos estudos nesse momento, mas há uma curiosa relação de projeção mútua sob o ponto de vista imaginário e fantasmático, impedindo a separação entre os parceiros ou até mesmo a oposição, pois cada um deles pode estar intimamente identificado ao outro.


Nessa relação especular entre servo e tirano ou escravo e senhor, podemos identificar toda a tirania do masoquista ao requerer tratamento cruel, dominando o torturador e controlando a cena com pulso firme. Àquele a encenar o papel do tirano, cabe obedecer com rigor às ordens e fantasias de seu parceiro e este por sua vez, se submete no nível manifesto. O masoquista deverá ser suficientemente talentoso a ponto de convencer seu parceiro a causar-lhe sofrimento.


E Severin assim o faz convencendo Wanda a conferir-lhe toda sorte de punições, maus-tratos e sofrimentos físicos e morais. Em determinada passagem do romance, Wanda afirma estar o homem na posição de desejo e a mulher na de entrega, ele solicitando e ela sendo solicitada. Isso inverte a idéia do homem a exercer o papel ativo e a mulher o passivo. Freud já colocava essa dissociação entre erotismo feminino do gênero mulher e erotismo masculino do gênero homem, mostrando estarem combinados em proporções diferentes em ambos os sexos.


Nos “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud mostra um enlace fundamental entre o masoquismo e o campo pulsional, mas circunscrevendo-o na satisfação de uma pulsão parcial. Ele prosseguiu em sua obra e no texto “Espanca-se uma criança”, traz a fantasia de ser espancado como transformação inconsciente do desejo de ser amado e cuidado, manipulado fisicamente. É a permanência de uma posição erótica infantil diante do objeto adulto.


No artigo “O Problema Econômico do Masoquismo”, Freud apresenta o masoquismo sob três formas: como condição imposta à excitação sexual, como expressão da natureza feminina e como norma de comportamento, trazendo a distinção entre os masoquismos erógeno, feminino e moral. Ele postula serem o masoquismo feminino e moral, derivados do masoquismo primário ou erógeno. Para ele, o masoquista deseja ser tratado como uma criança pequena, desamparada, e mais particularmente como uma criança travessa. Já em “Sexualidade Feminina”, Freud se refere ao masculino e ao feminino como conceitos para descreverem os modos de expressão da libido, importando o destino da pulsão.


A clínica vem mostrar o masoquismo moral ou feminino, presente tanto em homens quanto em mulheres. As fantasias masoquistas colocam o sujeito numa situação caracteristicamente feminina com conteúdos de castração, copulação e até de dar à luz a um bebê.


Para Lacan, existe uma lógica do gozo no masoquismo para além da lógica fálica. Segundo ele, a fase fálica na mulher teria dado origem a deslizamentos conceituais, mas a obscuridade no que tange o gozo feminino está na impossibilidade de abordagem do real, definindo a sexualidade como metáfora do desejo e simbolizando a falta-a-ser. A demanda engendra uma falta-a-ter onde o clitóris viria preencher até sucumbir na competição e o desejo vai precipitar novos objetos na direção da metáfora sexual.


Ele coloca ainda, o masoquismo feminino apontando para algo além da mediação fálica e para além do par masculino-feminino como ponto de partida. O masoquista se encarna como objeto na cena e no contato com seu parceiro. E Lacan continua trazendo o homem como ser sexuado, amarrado por um nó à função fálica e à limitação da castração e a mulher como Outro sexo, onde o nó é mais frouxo porque a confrontação em jogo é com o desejo do Outro e secundariamente com o papel do objeto fálico.


A ressalva fundamental concerne à posição feminina designando o lugar ocupado pelo sujeito no par sexual e como expressão do ser da mulher não podendo fazer a correspondência com a afirmativa: “a mulher é masoquista.”


Se a posição feminina não é equivalente à posição masoquista, façamos pois, uma distinção entre elas, mesmo estando nos dois casos um sujeito como objeto do outro.


Pensemos na metáfora do “amante e amado” sustentada pelo discurso histérico a veicular o desejo feminino onde “eu digo que o amo para fazê-lo crer ‘o amado’ e a partir daí esperar que ele seja o amante do objeto agalmático encarnado como semblante.


Com relação ao desejo feminino, o ser da mulher se apresenta dividido entre o sujeito do desejo e um ser complementar da castração masculina na sua identificação ao objeto. O seu lugar no par sexual tem como causa o desejo do Outro e não o seu próprio desejo. Ela se coloca para o Outro sob três vertentes identificatórias: falo, objeto, sintoma, mas com a mediação do semblante.


Já no masoquismo, há um ‘caráter de jogo’ onde o diretor de cena é o próprio sujeito colocando-se como objeto rebaixado e degradado ao contrário da posição feminina onde a mulher se reveste de um brilho fálico nessa tentativa de fazer-se para o outro um objeto agalmático, causa do desejo desse outro. O masoquista ostentará a falta, a dor ou a dor da falta de modo a provocar horror ou angústia no Outro.


Vejamos essa direção de cena na fala de Severin:
“-Meu Deus! – gritei, e estava fora de mim. – Quero, sim, fazer tudo o que ordenares, ser teu escravo, coisa tua, de que dispões a teu arbítrio, só não me separes de ti – e fui ao chão – não posso viver sem ti – e envolvi seus joelhos e cobri suas mãos de beijos”.[3]


O analista é convocado a intervir no sofrimento trazido pela própria satisfação, um paradoxo a gerar resistências ao tratamento e Lacan introduz a categoria do impossível para o gozo a obstaculizar o funcionamento do princípio do prazer. O analista deve estar ciente de que lugar intervir, pois o semblante de objeto cumpre uma função separadora adequada para suportar os efeitos de ruptura e perda no campo pulsional.


Ponto crucial ao ser abordado diz respeito às diferenças da posição feminina e da posição masoquista quanto ao gozo. No masoquismo, os traços de sofrimento e da falta apontam para um gozo do Outro, a saber, um corpo entregue ao Outro. No caso das mulheres, a complacência ao fantasma masculino fazendo concessões sem limites, dando seus corpos, seus bens e suas almas, está a serviço de um sacrifício decorrente de uma alienação em relação ao desejo do Outro que a toma como objeto, mas é um sacrifício condicional, pois em troca, elas buscam um a-mais-de-gozar.


A mulher se submete ao desejo do Outro para que o fantasma do homem encontre nela a sua ‘hora da verdade’ e a máscara masoquista prossiga. Já o masoquista impõe uma relação de gozo por contrato. É um dever de gozo regulamentado e sem improvisação e do qual se faz amo.


O ponto em comum na máscara masoquista e no masoquista é a sua redução ao objeto a enquanto resto. Severin nos mostra isso em várias passagens do conto, mas destacamos uma em especial por retratar tão claramente essa submissão objetal:
“Eu já não tinha outro dever a cumprir, já não tinha para ela nenhum grande significado – era mais uma lamparina ou um revólver que se traz para junto da cama”.[4]


Ainda sobre o gozo, importante diferenciarmos o gozo Outro (suplementar) do gozo do Outro. A mulher nesse “papel” masoquista necessita um gozo suplementar, um gozo que não existe e não significa nada. Já o masoquista propriamente dito, está preso a esse gozo da Coisa, a um real êxtimo ao sujeito, sua primeira e mais íntima exterioridade.


Como nosso objetivo maior é pensarmos um pouco mais a respeito disso que intitulamos por um gozo versado em queixas, ao mesmo tempo tentando fazer a distinção entre o feminino e a posição feminina, questionamos: “Estaria o masoquismo relacionado ao um posicionamento feminino?” “De que se queixam ou lamentam os masoquistas?”


O gozo do Outro só pode ser colocado no horizonte do Outro e do qual só é possível se aproximar assintoticamente ou sintomaticamente. Severin ou Gregor como Wanda o chamava nos momentos de escravidão, açoite e maus-tratos, parecia oscilar nessas posições. Ora aproximava-se de um certo limite, mas nunca chegando lá, ora era pelo viés de seu sintoma quando ele tentava estar um pouco mais próximo de sua malfeitora.


Por ser um gozo não representável, aparece a figura feroz e obscena do supereu introjetando a voz do Outro, manifestando-se assim, através de fragmentos imperativos e desvinculados do simbólico. É um gozo do próprio corpo e se refugia nas zonas erógenas do corpo despedaçado pelo significante que só aparece como eco na pulsão do corpo.


Segundo Erik Porge, “o gozo do Outro é outro que não o gozo fálico, mas isso não quer dizer que um é o gozo masculino e, o outro, o gozo feminino. O gozo masculino não inclui o gozo do Outro, enquanto o gozo feminino é dual, não todo fálico e comporta o gozo do Outro”.[5]


Bem, mas voltando à distinção primeira, a saber, a não confirmação da frase – “a mulher é masoquista”, devemos considerar o tropeço de Freud na questão sempre infindável e cada vez mais difundida: “que quer a mulher ou de que se queixam as mulheres?”


A dificuldade na captação da essência da feminilidade parece ter feito surgirem as considerações acerca de um masoquismo feminino, enquanto são os excessos, a transposição dos limites do princípio do prazer ou então um masoquismo universal do ser falante, nada tendo a ver com o feminino.


Freud já apontava o fato das mulheres sofrerem com a falta fálica, porém não mais que os homens com a ameaça de castração e também sustentava ser o desejo feminino de essência masoquista por visar o gozo através da dor ou por fazer-se mártir do Outro. Ao introduzir a noção de ‘masoquismo feminino’, distinguindo-o do masoquismo erógeno ou moral, ele o define como “expressão do ser da mulher”.[6]


Ele não objetiva esclarecer o problema da feminilidade, mas o das fantasias e práticas perversas, especialmente no homem, inscrevendo a equivalência imaginária entre o “fazer-se espancar” do masoquista e o papel feminino na relação sexual. Ressalva importante por não ser uma posição subjetiva e sim um lugar no par sexual, no qual o homem é sujeito do desejo.


Continua explicando ser o masoquismo substituto de uma fórmula de gozo por outra, mas ser o objeto à maneira masoquista e ser objeto na relação sexual são duas modalidades de gozo e de desejo diferentes. Ele adjetiva de “feminino” o masoquismo descoberto no homem para demonstrar estar na gênese desse masoquismo, ser uma mulher para o pai a partir da aspiração de ser espancado.


Lacan irá postular depois, tratar-se de uma metáfora onde o masoquismo é invocado como suplência da relação sexual que não existe e o masoquismo feminino “é uma fantasia de desejo no homem”.[7]


Colette Soler faz uma pequena distinção entre a mulher e o masoquista em relação ao que mostram e ao que querem. Embora não saibamos exatamente o que busca uma mulher, mas ela busca por intermédio do amor. Já o masoquista, visa no Outro o ponto de angústia no qual os semblantes falham; ponto de recuo porque ninguém se instala de bom grado nos arredores da angústia. “O masoquista sabe disso e nisso fundamenta a certeza tranqüila da simulação na qual faz mostração de ser o objeto rebotalho”.[8]


No artigo “O Mal-estar na Cultura”, Freud falou sobre a educação do homem para uma posição sacrificial. Há um sacrifício inerente ao sujeito como tal, pois precisa sacrificar-se ao significante para advir. Contudo, a posição sacrificial é diferente por revelar os interesses singulares do sujeito e não manter relação com a universalidade.


Novamente Colette Soler nos diz: “comumente as mulheres fazem grande alarde do preço que pagam para chegar a seus fins. Os homens em geral são mais discretos, ou até pudicos, mas isso é porque a queixa, sem dúvida, embora não caia bem no desfile viril, é propícia à mascarada feminina”.[9]


Mas e os homens masoquistas, serão eles mais queixosos? Qual a relação disso com um posicionamento feminino diante das situações e nas relações?


Ao que nos parece, a clínica vem apontando para um crescente número de homens insatisfeitos e poliqueixosos e isso de fato nos faz pensar num posicionamento mais passivo. O personagem Severin nos mostra isso em diversas passagens do conto, mas o mais interessante foi sua fala final como ponto de instigação para continuarmos a pensar no masoquismo e no formato das relações na atualidade, principalmente por deixar bem nas entrelinhas a necessidade cada vez mais premente de homens a exercerem a função de lei.


Assim ele finaliza:

“- A moral é que a mulher, tal como a natureza a criou e como o homem atualmente a educa, é sua inimiga, podendo tão-somente ser sua escrava ou sua déspota – jamais sua companheira. Isto, só quando ela tiver os mesmos direitos que ele, só quando por nascimento, pela formação e pelo trabalho, for igual a ele.

- Agora temos nós a escolha de ser o martelo ou a bigorna, e eu fui o burro, ao me fazer escravo de uma mulher. Entendes?

Daí a moral da história: Quem se deixa açoitar merece os açoites.”



A questão sempre pulsante permanece na obscuridade, a saber, se a mulher vem atingindo condição de igualdade tanto por formação como por trabalho, como ficam os homens? Mas uma questão é certa: não se trata apenas do papel sexual ocupado pelos parceiros, mas sim o lugar de poder. No domínio da fantasia e da linguagem importa mesmo o elemento simbólico, dado pelas significações inconscientes atribuídas entre eles.


Assim, o masoquista sofrerá, mas triunfará em segredo pela certeza do domínio em suas mãos. A idealização do próprio gozo leva à idealização do parceiro e o gozo é vivido como voluptuoso e superior ao gozo dos “mortais”. Daí as atribuições feitas ao parceiro de características sobre-humanas a encarnarem a perfeição. É quando o objeto supera o humano, a autenticidade é sobrepujada pela falsidade e a prótese supera o corpo numa operação psíquica defensiva e conhecida como recusa da castração. O masoquista também não escapa do componente fetichista das perversões na tentativa de esconder a falta. No romance, há uma exigência contratual onde Wanda só poderá açoitar Severin vestida de peles. A vestimenta recobre a verdade do corpo feminino, a diferença entre os sexos e poupa o fetichista de se tornar homossexual ao tornar Wanda suportável como objeto sexual.


E para finalizar, observemos a coincidência da literatura de Masoch com sua experiência pessoal, onde através da Vênus das Peles, ele torna a ficção mais “perfeita” desprezando as limitações da realidade. As peles encobrindo Wanda para torná-la perfeita como a Vênus de mármore, ao mesmo tempo servindo de cobertura para Severin desempenhar o papel de “lobo em pele de cordeiro”. Como já dizia Aristóteles na Poética: “não é ofício do poeta narrar o que aconteceu; é sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade”.






“O MAL DO EU”
(Natália Parreiras)



Carros passam.
O alarde não se ouve tamanha a barbaridade.
Pessoas andam, correm, riem e nada fazem.
Portas se abrem, outras se fecham,
E eu, perplexo, vejo que não presto.
Sou só o resto,
Da civilidade duvidosa de rompantes animalescos.
Sou a síntese do seio da pátria-mãe doente,
Órfão dos apegos plausíveis,
Obcecado pelo que não tenho e não preciso
Apenas quero.
Quero com os obscenos dejetos da minha mente
Mente que mente,
Sente e de repente,
Pode fazer diferente.
Ser bom...
É difícil...
Feito vício no suplício dos indícios.
Hey, vou parar os carros
Ouvir os absurdos,
Trancar as portas para o mal,
Para o único capaz de matar o bem que há em mim,
O mal de ser o que eu sou comigo mesmo.
O mal do eu, doeu.




[1] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – página 106


[2] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – páginas 53 e 54


[3] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – página 86


[4] - S. Masoch, A Vênus das peles, Editora Hedra LTDA, São Paulo – 2008 – página 115


[5] - Erik Porge, Jacques Lacan, um psicanalista – Percurso de um ensino, Editora UnB, Brasília – 2006 – página 257


[6] - S. Freud, O problema econômico do masoquismo, ESB, vol. XIX, página 289


[7] - J. Lacan, Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina, Escritos, página 740


[8] - C. Soler, O que Lacan dizia das mulheres, Jorge Zahar Editor, 2005 – página 65


[9] - C. Soler, O que Lacan dizia das mulheres, Jorge Zahar Editor, 2005 – página 67