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domingo, 14 de abril de 2013

"O TESTE" na ação de dar fim à indefinição paterna.



E agora, conforme prometido, o meu Ensaio Psicanalítico sobre O TESTE de Carlos Vereza!




Falar do Vereza e dessa magnífica obra “O TESTE”, nos instiga a partirmos da fala do “pai” de Laura quando diz que DEFINIR É DAR FIM! Impossível definirmos ou delimitarmos tamanha preciosidade principalmente à luz da Psicanálise, uma vez que ela se propõe a tratar do sujeito único, particular e entremeado de múltiplas possibilidades.

E dessa forma, passamos a abordar os personagens da peça onde o cenário é um pequeno estúdio de gravações com os acessórios normais para a realização de um TESTE. Michael é o encarregado de gravar os testes e Laura é uma candidata ao papel de protagonista, mas tão logo lhe é revelado o segredo de que a protagonista já fora escolhida.

Michael e Laura se encontram além do propósito do teste, se encontram por suas carências e insatisfações, falam de suas histórias e compartilham opiniões. Laura conta que aos 25 anos leu quase tudo da biblioteca do seu “pai”. Este desejava que a mesma fosse veterinária e ela assim o fez, mas ao entregar-lhe seu diploma, revelou-lhe o seu desejo: ser atriz. Seu “pai” disse: “vai ser gauche na vida”, ou seja, vai ser diferente. O “pai” de Laura decidiu sair de casa por sentir-se infeliz e sua mãe desde então, permanece apática em frente à televisão até que cesse a programação. Esta é a história que ela conta para Michael.

Com a máxima de Nietzsche: “o que não me mata, me fortalece” e com a transformação da segunda oração, a saber: “o que não me mata, me enlouquece”, Laura já nos dá indícios da sua dinâmica de funcionamento diante das adversidades. Michael por sua vez, relata ter vindo do sul com uma proposta para ser modelo, mas que na verdade era para ser garoto de programa. Desde então vem se “virando” para se manter. Já fora casado, mas posto para fora de casa pela mulher.

Outra fala de fundamental importância e servindo de anúncio para o desenrolar da trama, é quando Laura diz: “É sempre assim... relação. O primeiro dia já é o prenúncio do último dia”. Laura muito sabiamente nos aponta para uma realidade onde o encantamento inicial das relações é transformado em ressentimento fazendo surgir o desespero onde cada um joga no outro suas expectativas impossíveis de serem realizadas.

Falar dessa peça é acima de tudo falar de arte e esta faz suplência ao ser humano na constante busca pelo equilíbrio e a satisfação. Ela é o alimento da alma e Vereza nos presenteia com essa obra repleta de arte poética, musical e dramática.

Ao ser questionada por Michael sobre sua crença no amor, Laura mais uma vez nos confronta a realidade da ilusão a que somos submetidos como meros figurantes do consumismo desenfreado. Para ela, precisamos nos agarrar a qualquer coisa: à arte, ao amor, ao sexo... uma realidade onde a paixão se esvaece e o cotidiano torna-se insuportável.

Neste momento da peça, surge a convocação ao mundo virtual, “à Dra. Internet, a Psicanalista dos solitários, malucos e errantes, dos neuróticos, psicóticos e perversos”. Sim, pois todos confidenciam suas insatisfações, desejos e muitas vezes já deixam por lá o aviso prévio de suas próximas atitudes ou maldades.

Basta acompanharmos as redes sociais e em especial o famoso FACEBOOK - na sua mais fiel tradução: LIVRO DA FACE ou até poderíamos dizer: a BIOGRAFIA das FACES. É lá que cada um joga para milhares de pessoas sua privacidade e todas as suas relações são ali expostas.

Mas Michael e Laura continuam o diálogo questionando-se mutuamente sobre o porquê de suas escolhas. Michael ao falar sobre sua escolha diz amar ver as pessoas iluminadas, fazer enquadramentos e closes, mas ressalta a falsidade, a ironia e a superficialidade das pessoas. Laura por sua vez, fala de sua escolha por carência, ego e pelo fato de a “vida imitar a arte” e não o contrário.

Outro ponto da peça a ser destacado, concerne à sua declaração: “quando sinto falta de interpretar, contraceno com o retrato do meu pai”. Sua lembrança trazia à tona os momentos em que o “pai” lia textos para que ela dormisse e depois os dois passavam os textos e o “pai” segundo ela, enfatizava que com a arte e o Sermão da Montanha, a humanidade seria salva.

O Sermão da Montanha pode ser lido no evangelho de Mateus, é um discurso longo proferido por Jesus Cristo e abordando lições de conduta e moral, ditando os princípios que orientam e normatizam a verdadeira vida cristã no sentido da realização da vontade divina.

Tomemos o tal “Sermão” para falarmos da lei e da função paterna. Temos presenciado o declínio desta função, mas ainda assim não nos damos ao trabalhado de pararmos para pensar a respeito. O pai vem fazer barreira na relação mãe-filho, vem introduzir um limite a esse gozo absoluto apesar de necessária ser essa relação simbiótica num primeiro estágio. Tantos são os fatores que poderemos citar para a não inserção do pai, mas teríamos que nos dedicar a um texto a parte. O mais importante é entendermos que o pai de Laura, nunca existiu e por isso é um pai fraco e covarde, precisou recorrer ao pai da religião. É desse enfraquecimento que testemunhamos o crescente número de alienados e fanáticos religiosos. Pessoas que não tiveram a possibilidade ou o acesso à lei de forma simbolizada e por isso recorrem a ela de forma encarnada no Deus Pai todo poderoso e senhor de todas as coisas e destinos...

Mas deixemos os alienados de lado e voltemos aos artistas. Estes que nos dão sustento à alma e nos remetem a fantástica possibilidade de sonhar, imaginar, criar e viver. Laura cita Chet Baker o trompetista que cantava baixinho e parecia morrer em cada canção, transmitindo um estado de alma como se ele próprio fosse a alma do mundo. Cita também Rimbaud, poeta francês que até os 18 anos disse tudo que precisava dizer.

Não há como não concordarmos inteiramente com Laura quando ela verbaliza sobre os artistas: “pessoas que passam pela vida como estrelas de duração limitada: riscam os céus, estilhaçam nossas almas e explodem”. A arte muitas vezes pode salvar pessoas! Ela sim é liberdade, autenticidade e nos remete à singularidade desse um a um...

Ainda devemos dar o devido destaque a carta que segundo Laura, fora deixada pelo seu “pai” onde ele diz que a verdade está dentro de cada um, trocar de lugar não muda a angústia e saber da finitude da existência humana é a única certeza dessa loucura chamada vida. Paulo ou ArMANDO, pouco importa, afinal ele não existe. O que nos chama a atenção é o fato de estar A MANDO de alguém, tentando com isso deixar algo para a filha e ela na busca constante de senti-lo por perto de forma mais eficaz através da sua imaginação.

Dessa forma, Laura o convoca a comparecer. Convida Michael a contracenar com ela um trecho de Romeu e Julieta. Ele hesita, mas acaba concordando e depois desiste, pois diz saber que no final os dois morrem. Ela suplica ser esse o único modo de alegrar o seu “pai” e ele a provoca apontando para o abandono paterno. Ela baixa a cabeça e tenta partir. Ele se declara apaixonado, ela o agradece por ter sido um Romeu lindo, mas dizer ter faltado o final para o seu “pai”. Michael insiste em provocá-la dizendo que seu pai estaria morto e até duvidando da sua existência.

O telefone toca e Michael consegue se desvencilhar daquilo que o incomodava, diz ao seu chefe as coisas que pensa e chega perto de ser ele mesmo e da sua verdade, inclusive se apropriando do seu Nome Próprio, fazendo dele o Próprio Nome: Miguel de Albuquerque. Declara-se frente à câmera dizendo: “Você não pode entrar assim, nesse estúdio, nessa câmera, na minha vida e me jogar fora como se eu fosse um livro usado (Chora)”. Laura então adentra o estúdio e diz: “Pai... ficou faltando o final”.

O TESTE para Laura parece ser provar para si mesma a existência do pai, mesmo que precise levar isso às últimas consequências – com a vida imitando a arte. Para Laura, DEFINIR seu pai é dar FIM à vida daquele que duvidou da sua existência e colocou em xeque a importância que ela imaginava ter para ele.

É assim que Carlos Vereza tão sabiamente nos traz o fim desse drama, onde a única certeza é a morte e onde os testes aos quais o sujeito é submetido podem DEFINIR mesmo que temporariamente, o porvir!



Mônica Parreiras

É Psicanalista membro da
Intersecção Psicanalítica do Brasil (IPB),
formada em Psicologia pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), voltada para o atendimento de adolescentes e adultos.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O TESTE

O TESTE


 

      Após um ano de recesso, começamos as produções de 2013 com a elaboração de um Ensaio Psicanalítico sobre a primorosa obra O TESTE de autoria, direção e com a atuação de Carlos Vereza. Contracenando com ele temos o talento de Carolinie Figueiredo. 
      Tive a honra e o privilégio de ter em mãos o script da peça para tentar produzir uma análise dos personagens a convite do Vereza. 
      Convido todos a assistirem esse espetáculo com a certeza de terem a oportunidade de ver a arte em várias dimensões. Além da excelente atuação dos atores, poderão ver música, poesia, um cenário com profunda conexão com a peça e com os personagens.
        Para que possam ter noção da magia do momento, um pouco do registro da estréia!