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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A Psicanálise no Social - continuação...


         Muitos estudiosos, não apenas no campo psicanalítico, mas também em outras áreas como a filosofia e a sociologia, têm se debruçado sobre as barbáries das quais temos sido testemunhas todos os dias através da imprensa falada e escrita. A expressão mais usada nos últimos tempos como causa de todos esses acontecimentos é “o declínio da função paterna”. Todos tentam construir hipóteses e criar novas formas de tratamento. 

        Parece-nos de suma importância o oferecimento de um espaço de fala tão único e singular quanto a própria singularidade desses sujeitos. Um espaço já tão contaminado na família e na sociedade pelos avanços tecnológicos. Os diálogos tornam-se a cada dia mais impessoais e intermediados pela Internet (msn, skype, orkut). O mundo virtual em substituição ao mundo real, onde as expressões já não são mais valorizadas, onde a impulsividade toma conta fazendo a reflexão sair de cena e dando lugar à ação impensada e compulsiva. 


Mesmo antes de nascer, cada sujeito foi falado, pensado, imaginarizado por seus pais, ao menos na maioria das vezes. Esse investimento dos pais, antes de tudo narcísico, compõe para aquele que nasce, uma anterioridade simbólica. Os pais, eles mesmos inseridos na ordem da linguagem, produzem uma condição minimamente simbólica de existência para cada filho.

         Bem, retomando nosso tema, e iniciando por abordarmos a mulher, pensemos no lugar da mãe no inconsciente. A mãe como genitora é função reprodutora e real, mas existe a função simbólica. Ressalva fundamental concerne à avaliação dos vínculos sociais na atualidade. A mãe aparece como parceira preponderante e exclusiva da criança. Companhia estável, mas cada vez mais acrescida por homens a se sucederem na condição de “companheiros da mamãe”. É sabido também que os efeitos da história vivida com a mãe durante a infância e adolescência são sentidos pelos filhos ao longo de toda a sua vida.

         Retornando então, à mãe como esse Outro primordial, podemos pensar que é ela quem oferece ao bebê aquilo que se pode chamar de uma primeira consistência simbólica, quer dizer, a sua própria condição simbólica. Ela oferece mais do que seu corpo a esse bebê. A mãe disponibiliza para seu filho, sua própria condição de sujeito, na medida em que dá lugar a ele, através do investimento libidinal. Ela dá suporte à existência do filho, através do investimento narcísico, e dará ou não suporte às suas operações de identificação, operações de castração, e por fim, à operação de metáfora paterna, por meio de sua própria posição edipiana, de sua castração. Uma mãe, firmemente referida ao pai, no sentido da instância paterna, uma mãe considerada castrada, terá mais condições de auxiliar seu filho na efetivação das operações identificatórias e metafóricas, porque lança seu olhar, seu desejo, para além do bebê-falo, quer dizer, para o pai da criança.

Sabemos que é a mãe, através dos cuidados maternos, que ensina seu filho a amar, como nos lembrou Freud, mas é o pai enquanto instância de lei, que promove no filho a condição de ser reconhecido como sujeito no campo social. A noção de pai intervém no campo conceitual da Psicanálise como um operador simbólico a-histórico, ou seja, não sujeito à ação histórica no sentido da cronologia, só lhe cabendo então, a história mítica. O pai pode ser considerado uma entidade simbólica com a função de estruturar o ordenamento psíquico na qualidade de sujeito. 

No que se refere à castração, ela é a lei que rompe a ilusão de cada ser humano de se acreditar possuidor ou identificado com uma onipotência imaginária e ocorrerá a partir da separação entre a mãe e a criança. Será o corte produzido por um ato que cinde, dissociando o vínculo imaginário e narcísico entre mãe e filho. O agente dessa operação de corte é o pai, o representante da lei de proibição do incesto. Ele priva a mãe de qualquer pretensão de ter o falo, ao mesmo tempo em que castra o filho de qualquer pretensão de ser falo para a mãe. A palavra paterna encarnando a lei simbólica tem, portanto, uma dupla função: privar o Outro materno de ter o falo e castrar a criança de ser esse falo. A castração é simbólica e seu objeto, imaginário. Não há possibilidade de castração simbólica do filho sem a castração simbólica da mãe. 

Reportemo-nos à operação simbólica intitulada por Lacan como a Metáfora do Nome-do-Pai. Ali a criança substitui o significante do desejo da mãe pelo significante Nome-do-Pai. Terminada essa substituição significante, o pai torna-se pura metáfora. Para que essa substituição ocorra a criança deverá abandonar a posição do ser para aceder ao ter. Passagem que só será efetivada quando a criança tiver feito uma associação significativa entre ausência da mãe e presença do pai, isto é, passando a ver o pai como causa da ausência da mãe e nomeando-o como aquele que mobiliza o desejo da mãe.

Para tal, retomemos o pai nas três instâncias: O Pai Real tem como função interditar o gozo absoluto, dando à criança a castração simbólica, empurrando-a para sua destituição enquanto falo imaginário da mãe. Este pai Real será encarnado pelo pai da realidade, que na vida da criança pode ser um ou vários. O Pai Imaginário se constrói a partir do imaginário infantil aliado ao imaginário cultural e terá como suporte o pai da realidade. A função do pai imaginário é, fundamentalmente, a de privar o sujeito do falo simbólico, que a partir de então estará atribuído ao pai. É o pai todo poderoso. O Pai Simbólico tem como função frustrar a criança em relação ao seio, oferecendo assim, a língua e o nome. Será então, o mediador do mundo simbólico para a criança. É o pai como normatizador.

         É somente a partir da internalização do pai enquanto lei que o sujeito poderá ser reconhecido pelo que ele é e pelo que ele faz. É fundamental enfatizar porém, que a metáfora Nome-do-Pai tem como papel principal na estruturação psíquica da criança permitir compreender que o Pai real, sua presença ou ausência, estão a serviço da incidência mediadora do Pai simbólico. Mas para isso ocorrer é preciso que ele seja evocado através do discurso materno. A criança deve entender que o desejo da mãe se encontra referido ao pai, ou ao menos tenha assim estado por algum tempo. É apenas nestas condições que na ausência do Pai real, o significante Nome-do-Pai, poderá ter todo o seu alcance simbólico. A função materna jamais poderá substituir a função paterna.

           O pai provedor deverá ser substituído pelo trabalho. Seria a via mais longa, porque a mais curta é a da mãe que cuida e do pai que supre. Continuar recebendo dos pais por toda a vida, alguns presentes, eventuais ajudas ou seu amor não é a mesma coisa, absolutamente, que continuar sendo sustentado, compreendendo-se esse termo, como sustentação de uma condição imaginária.

Mas por que jovens têm cometido suicídios, assassinatos, barbáries e coisas deste tipo? Aparentemente, por não suportarem perdas e frustrações. Os motivos são banalizados como o término de um namoro, a não permissão para ir à uma festa ou por não ver mais sentido na vida, aos 16 anos. Outros porque estão irritados, ou porque foram impedidos de fazerem o que queriam. Ou, simplesmente, tocam fogo em alguém na rua por estarem entediados de suas 'completudes imaginárias'.

          E qual a relação disso tudo com o Nome-do-pai ? A resposta parece residir na fragilidade das leis e limites. Como as estruturas da sociedade tornam-se reais, o poder é dessa forma, figurado na sua representação real, bem como o objeto. O pai estará assim, privado de sua incidência simbólica, valendo apenas em sua realidade. Desfigurado, terá sua representação através das instâncias educativas, policiais ou judiciárias. Instâncias essas, credoras na detenção de um saber absoluto sobre esses sujeitos com os quais estão lidando.

Além disso, as pessoas têm vivido de forma “politicamente correta”. Não criticam e nem discordam, pois temem a recusa e a rejeição. Isso nos faz pensar no fanatismo religioso através da busca incessante de referenciais e o apelo constante ao “pai”. Daí as proibições e exigências das correntes religiosas.

Onde ancorarmos nossas forças e esperanças se vivemos em meio a tanta violência e desumanidade? Ficarmos restritos apenas à “segurança” de nossos lares? Serão tão somente eles, nosso refúgio?

Como lidarmos então, com esses sujeitos, expressões encarnadas de um fenômeno de massa ?

Serão nossos ARRECIFES capazes de dar conta de toda essa parafernália, onde não há mais referenciais a nos guiarem? Preferimos ficar com o dito popular: “água mole, pedra dura, tanto bate até que fura”!