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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

PSICOPATIA: PAI TIRAdo ou PAI TIRAno?

“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”
Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe


Sabemos da dificuldade de abordar questões relativas ao bem e ao mal, assunto antes restrito a teólogos e filósofos, mas ultimamente ampliado através de debates entre psiquiatras, psicanalistas, médicos, advogados e juízes. Contudo, basta observarmos os noticiários e as reportagens a retratarem pais matando filhos, filhos matando pais, crimes de colarinho branco, estupradores, políticos corruptos, executivos tiranos, golpistas, estelionatários (os famosos “171”), gangues ateando fogo em pessoas indefesas, para termos a certeza de estarmos vivendo em meio a uma balbúrdia, onde não existem mais regras e leis a regerem a vida das pessoas. 

A Clínica vem apontando um número crescente de crianças e adolescentes cometendo maldades das mais diversas sem qualquer noção de culpa ou constrangimento. Se olharmos à nossa volta não será difícil vermos alguém cometendo vandalismos, maltratando um colega, burlando alguma regra, etc. Temos vivido em estado generalizado de delinqüência. A falicização da mulher associada ao declínio da função paterna atestam as dificuldades no reconhecimento do caráter simbólico da lei. A manifestação de forças para assegurarem esse poder têm sido uma constante em nossa sociedade. A civilização moderna vem levando o individualismo ao seu apogeu. O desespero encontra-se no centro da condição moderna onde a criança e principalmente o adolescente delinqüente parecem testemunhar em ato a figura do “herói trágico” ou do “mau-caráter” da atualidade.

Remontando à história, temos a experiência do holocausto como justificativa para uma infinidade de atrocidades. A execução dos judeus sob o comando de Adolf Hitler serviu de desculpa para os que diziam estar cumprindo ordens.

Entretanto, são muitas as controvérsias teóricas relacionadas ao sujeito que a grosso modo, comete o mal. Existe também uma série de divergências a respeito da nomenclatura mais adequada para nomear esses sujeitos, mas optamos por utilizar o termo psicopata e para clarear nosso objetivo ao adotar tal nomenclatura, traremos à tona algumas características comumente encontradas em sujeitos considerados psicopatas e dentre elas estão: ausência de culpa, habilidade em mentir, facilidade em manipular, alto grau de egoísmo, inteligência acentuada com QI acima da média, pobreza de afeto, impulsividade, constante isolamento, níveis de ansiedade e nervosismo acentuados, geralmente não têm um plano de vida, abuso de drogas lícitas e/ou ilícitas e promíscuo comportamento sexual. 

Fundamental também o esclarecimento a respeito das formas de manifestação da psicopatia, pois até bem pouco tempo atrás, ela estava associada aos criminosos mais perigosos, capazes de cometerem assassinatos como os “serial killers”. Há uma idéia fantasiosa de que todo psicopata é violento, sendo apenas alguns deles agressivos. Podemos estar convivendo diariamente com um psicopata sem nem mesmo percebermos atitudes diferenciadas de um comportamento normal, tendo em vista nem todos os assassinos serem psicopatas e nem todos os psicopatas chegarem a ser assassinos, ou mesmo fisicamente violentos.

Os psicopatas apresentam um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. Fazem suas próprias leis e não entendem o sentido de “bem-comum”. Possuem uma baixa tolerância às frustrações e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Costumam culpar os outros e fornecerem racionalizações plausíveis para explicar comportamentos conflitantes com a sociedade. Mentem, manipulam e não sentem remorso, muito menos culpa. Ao mesmo tempo, são charmosos e simpáticos. Se algo ou alguém ameaça seus planos, podem tornar-se agressivos. São mestres em inverter o jogo, colocando-se no papel de vítimas. E estão conscientes de todos os seus atos; a maioria deles não mata, mas é capaz de sugar emocional e até financeiramente suas vítimas.

Mostram-se encantadores, bons de papo, rapidamente apaixonados e nunca têm dinheiro para nada, mostrando-se possessivos em algumas circunstâncias. Mesmo estando em situação miserável, citam apenas as glórias, pois possuem espírito sonhador. Ao conseguirem a confiança de alguém são como parasitas a sugarem essa pessoa. Raramente admitem um erro e fazem as pessoas parecerem culpadas e irresponsáveis. É o amigo que diz nunca conseguir emprego, não ser compreendido pela família e perseguido pelo chefe, por isso depende de conhecidos para ter onde viver e passar o dia sem fazer nada útil, usufruindo do conforto proporcionado. É o profissional simpático e amigo de todos; faz intrigas e usa informações íntimas confidenciadas pelas pessoas para manipulá-las. Nesses casos, não há derramamento de sangue, mas prejuízos financeiros e emocionais muitas vezes devastadores.

A questão principal repousa nas especificidades da relação entre a psicopatia e a impossibilidade da função paterna enquanto função de lei, de interdição simbólica. Segundo Lacan, os psicopatas tentam fazer um ato simbólico, um ato para refundar o simbólico e isso é considerado por Rassial, desastroso. Ele aponta o psicopata como figura contemporânea, fazendo alusão à transgeracionalidade paterna na determinação da psicopatia. Para explicar, Rassial diz ser necessário considerar o pai como agente da castração, da humanização, e esse pai é o pai real. Ele complementa: “O problema da atualidade não é um enfraquecimento do pai simbólico, nem do pai imaginário – do qual teríamos mesmo um excesso. O problema é que atualmente as crianças não se batem mais com o pai real, os pais se esquivam – ou eles partem ou as mães os colocam para fora. É justamente essa fraqueza em várias gerações que produz o psicopata, alguém que se confronta com um pai que não precisa ameaçar e nem matar uma vez que ele já está morto”.

Mas para abordarmos tal impossibilidade, é necessário retrocedermos um pouco tendo em vista ser a mãe a introdutora do pai na relação através do seu discurso. É a pacificação das figuras maternas: real, simbólica e imaginária, a sustentarem a dimensão simbólica do pai, isto é, a regulação do desejo pela função fálica e não pela derivação numa pura lógica de gozo.

Comecemos então pela primeira mamada, momento aonde a mãe simbólica vem em socorro ao bebê desamparado dando-lhe o objeto real, o leite. Caso a mãe venha a se ausentar muito cedo sem dar o devido suporte ao bebê, aí será instalada a falha, uma palavra não dita a tempo como sustentação no tempo furtivo, mas apenas vital e não fazendo advir assim, a ilusão como geradora da capacidade vindoura de criar. Se para o psicótico essa falha aparece no preenchimento através do real retornando na alucinação imaginária ou na construção delirante, para o adolescente delinqüente surge um imenso vazio fazendo-o não ter alternativa, a não ser agarrar-se às paredes da passagem ao ato para não desaparecer.

Lacan em Os Complexos Familiares aponta a separação prematura entre o bebê e a mãe no momento do nascimento como origem de um mal-estar jamais compensado por qualquer cuidado materno e ele acrescenta: “Seja como for, essas reações eletivas permitem conceber na criança um certo conhecimento muito precoce da presença que a função materna preenche, e o papel de traumatismo causal que, em algumas neuroses e certos distúrbios de caráter, pode desempenhar uma substituição dessa presença”.

Segundo Michèle Benhaim, para além do objeto real há o objeto imaginário e simbólico do amor. Para suplantá-lo, a mãe, a partir do seu imaginário dará à criança o sentido do real com o auxílio do simbólico. Michèle sugere não ocorrer essa suplantação pelo adolescente delinqüente por ter sido situado na completude compartilhada ainda quando bebê. O trabalho necessário à adolescência será de reconhecer a mulher na mãe e essa será uma das dimensões da delinqüência quando da impossibilidade dessa confrontação com a mãe real implicando também na impossibilidade de renúncia. Isso se dá pela prematuridade insuportável desse conhecimento, diferentemente do ocorrido na psicose onde esse conhecimento é inexistente.

Prosseguindo na articulação entre o materno, a adolescência e a delinqüência, fundamental evocarmos a questão colocada ao pai quanto ao estatuto do falo e a seu posicionamento em relação a ele, precisando ser de carne e osso, pai real, sempre agente castrador em relação a esse significante. A resposta a questão “houve pai?”, situa-se na operacionalidade da função materna.

O corte simbólico com o objeto nesse momento primeiro onde o bebê é puro ser de gozo será determinado pelo lugar ocupado por ele no fantasma materno. Poderá ser então uma criança metonímia do desejo de falo na mãe ou uma criança metáfora de seu amor pelo pai.

Mas se o próprio pai está submetido à falta e não detém o falo, mais do que qualquer outro, como ele faz para satisfazer a mãe e fazê-la mulher? O que é um homem? O pai real. O adolescente faz essas duas perguntas ao Outro, e se este último "não ceder ao seu desejo”, então ele poderá crescer.

Nessa perspectiva, o adolescente irá questionar a respeito da legitimidade e do lugar de onde esse Outro lhe fala. Tal questionamento nos faz pensar na necessidade absoluta de referências em relação à filiação, à lei, ao pai e não no poder da figura de um Outro identificado a um educador a proferir uma lei incompreensível e a fazer referência à obrigação e não à paternidade.

O ato delinqüente aparece então, como tentativa radical de realizar a separação e/ou a saída do domínio, num movimento não mais marcado pela agressividade linguageira própria da crise adolescente, mas por uma violência física com vistas a manter o outro à distância. O sujeito é protegido do Outro pelo amor, mas essa dimensão simbólico-imaginária falha. A única solução é não encontrá-lo, e até mesmo abatê-lo. Essas passagens ao ato muitas vezes conduzem ao sentimento de ameaça, podendo até mesmo destruir o laço, mas aparecem também como última tentativa de resolução da angústia ligada a este impossível do laço.

A falha da mãe em acompanhar a passagem do "infantil ao juvenil" atualmente traduzida nessas formas psicopatológicas, re-atualiza o tempo arcaico no qual ela deveria ter acompanhado a dolorosa passagem do gozo ao desejo, com a nuance desta passagem exigir que o bebê tivesse sido primeiramente "um puro ser de gozo".

A ambivalência materna não poderá fazer economia nem do amor total nem do todo-ódio, pelo menos nesse movimento de balanço furtivo, quase mítico, onde da necessidade se separa o desejo e se elabora a demanda. Somente nomeando aquilo que do ódio inscreve-se no amor, a vida e a morte poderão se inscrever no simbólico. Esta inscrição é consecutiva ao tempo no qual o pai real se distancia e oferece à criança os significantes do pai simbólico, da lei a interditar o retorno, a incorporação do corpo do filho pela mãe.

Segundo Winnicott, aí está a importância de um momento de "ilusão" para a mãe em resposta a esta área de ilusão indispensável ao bebê para atravessar os tempos de dependência absoluta e relativa, e ter acesso à independência. Necessidade semelhante na construção do materno: atravessar a ilusão de não ser castrada possibilitando à criança ser esse "puro ser de gozo", fazendo surgir um lugar a ser abandonado por ela e um lugar para o pai: o de ser o agente da castração da mãe.

Sobre o pai real, Melman faz distinção com o pai da realidade. Coloca-o como obstaculizador físico real aos laços da mãe com os filhos. Ele está sempre em falta a respeito dessa instância ideal mantida no Real e de onde ele próprio tira sua autoridade.

Para diferenciar o pai da psicose do pai da psicopatia, Rassial diz ser o pai simbólico a falhar na psicose, ou seja, a função paterna. Na psicopatia não é o pai simbólico nem o imaginário a falhar e sim o pai real. Ele cita Christiane Lacôte por falar de maneira muito precisa ser o pai real a dizer não para permitir a existência do nome.

Algumas questões clamam por respostas: na psicopatia não há lugar para o pai? Se o pai é introduzido na relação mãe-bebê por intermédio do discurso materno, fora ele TIRAdo da relação na medida em que a mãe também não está supostamente referida ao seu pai? Como se deu a relação da mãe com a lei?

Freud em Totem e Tabu demonstrou no crime primordial a origem da lei universal, reconhecendo com a lei e o crime, o surgimento do homem fazendo surgir a concepção de supereu fundamentada a princípio nos efeitos da censura inconsciente a explicarem estruturas psicopatológicas já identificadas, depois esclarecendo as anomalias da vida cotidiana e por fim, correlata à descoberta de uma morbidez imensa como a neurose de caráter, os mecanismos do fracasso, as impotências sexuais.

Rassial afirma haver na psicopatia uma falha em primeiro lugar, no supereu cultural e por isso a primeira resposta deverá ser institucional partindo do estatuto a redefinir a lei comum, nem civil nem tampouco edípica. A lei edípica enuncia: “você não tem relação sexual com tua mãe e você não mata teu pai” e a lei comum enuncia: “você não pode ter qualquer tipo de relação sexual e você não pode matar”. Em outras palavras, existem relações sexuais autorizadas e outras não e o assassinato é proibido. Deverá, portanto, ocorrer uma generalização, mas para o psicopata isso estará afetado. A generalização será impossível, pois ele não faz a passagem do discurso do pai para o discurso do mestre. Para o psicopata trata-se de um ou do outro.

Nos Escritos, Lacan faz uma introdução teórica às funções da psicanálise em criminologia, dizendo não haver sociedade sem leis e sem graus de transgressão a definirem o crime. A sociedade manifesta esta relação do crime com a lei por meio de castigos. Mas Lacan adverte dizendo:
“Nem o crime nem o criminoso são objetos que se possam conceber fora de sua referência sociológica”. “Fazer a soma das predisposições inatas é uma definição puramente abstrata e sem valor de uso”.

Tendo como base essas definições, poderíamos pensar no psicopata como o sujeito sem uma identidade paterna, sem lei? Ocorre em muitos casos omissões e mentiras acerca da origem e filiação desses sujeitos. Poderíamos pensar nas passagens ao ato como tentativas de afirmação ou certeza de uma identidade?

Outro ponto a merecer destaque diz respeito à errância geográfica e vem se somar à falta de historicidade, levando esses sujeitos a uma busca incessante por um lugar. Será este “lugar” uma posição na família? A busca pela verdade, pela filiação?

A condição humana enquanto produção simbólica está na dependência da fabricação ficcional da identidade e da alteridade. Isso é instituído mesmo antes do nascimento nas redes e razões de parentesco e de filiação e precedem o real de cada sujeito no mundo.
Sendo assim, como poderá um sujeito se inserir na sociedade de modo a travar relações saudáveis, se a ele foi negada a sua historicidade, a sua filiação? Sem esta anterioridade simbólica como poderá ele atingir a condição de humanização?

Rassial em seu livro O sujeito em estado limite, diz não haver o social no horizonte do psicopata, mas pura e simplesmente o cotidiano. Ele se utiliza da sigla S.D.F. (sem domicílio fixo) para se referir a esses sujeitos para os quais a sociedade não se apresenta como Outro. Para um sujeito dito “normal”, as estruturas da sociedade são simbólicas e as condutas reais, mas para o psicopata ocorre aí uma inversão com as estruturas da sociedade sendo reais e as condutas simbólicas.

Essas condutas tornam-se perfeitamente claras pela interpretação edipiana, mas distintas pela morbidez do seu caráter simbólico. A estrutura psicopatológica não está na situação criminal expressa por ela, mas no modo irreal dessa expressão. O simbolismo expresso nessas condutas só pode ser parcelar, ou quando muito, marca o ponto de ruptura ocupado pelo indivíduo na rede das agregações sociais e Lacan afirma:
“A manifestação psicopática pode revelar a estrutura da falha, mas essa estrutura só pode ser tomada por um elemento na exploração do conjunto”.

O psiquiatra americano Michael Stone se tornou reconhecido por estudar a biografia de 498 pessoas consideradas más. Stone criou uma escala denominada Índice da Maldade, com 22 itens para agrupar esses sujeitos, mas afirmava:

"No caso dos tiranos, a maior parte foi espancada e negligenciada em casa. O mal que fizeram foi uma vingança a uma crueldade a que foram expostos”.
Partindo da violência doméstica seja por negligência, física ou emocional, mas principalmente como processo de objetalização da criança e do adolescente, como pensarmos a incidência da figura paterna na vida desses sujeitos? Se quanto maior o amor endereçado ao violentador maior será a dor, imaginemos o pai nesse contexto e as repercussões para a criança violentada. Quando pensamos no abuso sexual cometido pelo pai contra o filho, terá havido pai nessa relação?

Com a falência da lei paterna, a criança fica exposta a entraves e excluída dos laços afetivos associados ao exercício da função paterna. Na relação incestuosa, o laço biológico não é articulado ao intersubjetivo. Ao burlar a interdição do incesto, o pai sexualiza o desejo, negando assim a sua própria condição de pai. O desejo sexual torna a criança para o pai, um homem, ocasionando a morte da condição de filho.

O pai ao desejar o filho morto para tê-lo como homem, torna-o dejeto do seu desejo. O filho ao se deparar com sua morte filial é confrontado com a perda da imagem interna de um pai a servir de esteio à sua organização psíquica e entrará em contato com o seu desejo desregrado.

Não encontrando mais limite no outro, a criança ficará dividida entre lutar contra o seu desejo desregrado ou deparar-se com a fratura da fantasia a fazer ligação com ser amado. Somente permanecendo no lugar de pai, função do interdito, a integridade corpórea do filho poderá ser garantida e o seu desejo orientado.

Será pai quem desprotege, agride, mortifica? Ao não reconhecer a criança no lugar de filho ele também é destituído do seu lugar de pai, passando para a condição de homem e violentador.
Acreditamos então, ser possível a relação entre esses “não lugares” e a dificuldade de fixação geográfica, bem como na necessidade de criar e assumir várias identidades, com a destituição da condição de filho ou a dúvida e mesmo omissão sobre a paternidade.

Sujeitos com vários nomes próprios, sem se apropriarem do próprio nome, por isso pouco importa se serão chamados de Paulo, José ou Francisco. Incorporam personagens diversos e passam a ser reconhecidos por seus feitos e codinomes associados à maneira como os colocam em prática.
Fundamental também evocarmos a situação de réu a esses sujeitos sem identidade, condição descrita por Lacan como o encontro de verdades inconciliáveis.

Para pensarmos essas questões nos reportamos aos casos de Ted Bundy e Marcelo Nascimento da Rocha. O primeiro, Ted Bundy (Theodore Robert Cowell -1946-1989), nasceu em Vermont (EUA) e a identidade de seu pai era desconhecida, tendo sido cogitada a hipótese de sua mãe ter sido violentada pelo próprio pai. Ted cresceu pensando ser irmão de sua mãe. Ele dizia amar seu avô, embora fosse um homem completamente violento, batia em cachorros, agredia mulheres.

Com 4 anos a mãe biológica de Ted mudou-se da cidade e o levou. Ela casou-se e teve mais 4 filhos. Ted recebeu o sobrenome Bundy; era um ótimo aluno, mas tinha um temperamento tímido e explosivo, pois seus colegas de classe costumavam perturbá-lo. Sentia-se inadaptado à nova família e mais tarde essa inadequação colaborou com sua inaptidão em interagir socialmente com outras pessoas.

Aos 21 anos, ele arrumou seu primeiro amor - Leslie Holland, filha de uma família de boa índole. Para a moça, Bundy era alguém sem objetivos, mas ele tentava impressioná-la com mentiras rotineiras de planos de vida. Nesta época suspeitava-se de delitos cometidos por ele como roubo de carros na cidade. Um ano depois, Leslie rompeu o namoro e Ted ficou deprimido e obcecado por ela. Aos 23 anos, descobriu ser filho da mulher antes considerada sua irmã e isso o fez ficar ainda mais distante de seu pai adotivo.

Ted foi considerado um dos assassinos em série mais notórios e mais cruéis da história dos crimes violentos. Ele se utilizava da boa aparência, lábia e um gesso estrategicamente colocado no braço para atrair mulheres para uma simples ajuda em carregar alguns livros até o seu carro. Ao chegarem próximas do carro, eram abatidas com uma barra de metal, violentadas e mortas com repetidas pancadas na cabeça.

O segundo caso refere-se a Marcelo Nascimento da Rocha a partir de seus depoimentos para compor um livro contando suas peripécias. Assim ele narra: “Eu me chamo Marcelo Nascimento da Rocha. Nasci em Maringá, em 1976. Sou o caçula de uma família de cinco irmãos. Nunca fomos ricos, mas também nunca me faltou nada. Apesar disso, dou golpes desde os quatorze anos de idade... Voltando à minha história, quando não estava pilotando me fazia passar por outras pessoas. Apareci na mídia diversas vezes com meus personagens inventados. Minha primeira aparição foi aos seis meses de idade em um livro de medicina. É claro que aos seis meses eu não estava me fazendo passar por ninguém. Eu tinha uma doença de pele grave chamada dermatite herpetiforme. Meu corpo ficava coberto de bolhas”.

O pai de Marcelo é pouco mencionado ao longo do livro, mas dentre as poucas passagens assim faz referência ao pai: “Meu pai se chamava Aparecido. Ele acompanhou uma ou duas dessas que eu aprontei, mas não ficava muito bravo, não... Em 1984 minha mãe se separou do meu pai. Fui passar o Natal com ele e meus padrinhos em uma fazenda em Rondônia. Ele teve um ataque do coração e morreu na minha frente a caminho do hospital. Não teve tempo de ver as coisas erradas que eu fiz na vida. A morte do meu pai teve a ver com minha decisão de querer sair para conhecer o mundo”.
Sobre a mãe ele diz: “Duas coisas que a minha mãe pediu para mim: nunca seqüestrar e nunca matar para roubar. Quando participei de assalto nunca maltratei vítima alguma e nem deixei que maltratassem”.

Marcelo possuía várias identidades falsas, mas conservava uma delas dizendo:
“O meu apelido no crime é Ferrari. Para mim, Marcelo é uma pessoa, Ferrari é outra. O Marcelo nunca fez nada de ruim, o Ferrari já. São pessoas totalmente diferentes”.
Também declarou em entrevistas:
“Na fase boa você anda de BMW, na fase ruim de chinelo de dedo. Você tem que estar preparado para as duas”.

Na articulação dos casos citados com as questões propostas, em primeiro lugar devemos levar em consideração ser a mãe a introdutora do pai para fazer limite e função de lei e para tal ela precisará estar referida à lei do seu pai. Lembremos das leis da mãe de Marcelo: não seqüestrar e não matar. No mais tudo é permitido, pois o pai é Aparecido apenas no nome. Será daí a necessidade de Marcelo se fazer ver, aparecer? Desde muito cedo aparecia por meio da doença de pele e mesmo não querendo entrar em outras questões, sabemos da relação das doenças de pele com o abandono materno prematuro.

Pensando nos casos de psicopatia mais leve, muitas vezes aparecendo nos golpistas e estelionatários, podemos pensar nas várias identidades e na errância geográfica como manifestação da necessidade de buscar um lugar na família e na sociedade, apontando para a impossibilidade de fixação, pois há algo inconciliável como nos diz Lacan, são verdades inconciliáveis por ter sido a vida destes sujeitos montada sobre mentiras e omissões.

Nos casos mais graves de psicopatia, supomos não ter havido qualquer possibilidade de lei, ou porque ao sujeito lhe foi furtada a possibilidade mínima de uma filiação ou pela total destituição dessa filiação nos casos de violência. Se o pai foi TIRAdo ou foi um TIRAno, não importa tanto. O ponto principal diz respeito à operacionalidade da função materna enquanto mediadora da questão: HOUVE PAI? Poderíamos assim, ir um pouco mais além perguntando: HOUVE PAI PARA A MÃE? Estaria este pai aTIRAdo, caído, arremessado para longe?

Só nos resta continuar essa árdua caminhada onde a única evidência incide na lei encarnada. A não simbolização da lei e dos limites leva esses sujeitos a uma busca constante de desafios e provocações aos representantes da lei, daí pensarmos no pai TIRAdo ou TIRAno como representante dos TIRAS, dos policiais ou figuras de autoridade geralmente evocada nas passagens ao ato dos psicopatas.

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